Por Jorge Nuno Silva
Voltamos a necessitar de atividades domésticas, para lidar com os confinamentos que nos vão impondo. Eu sei que a piada é ruim, mas com cerejas é melhor do que com finados...
Hoje proponho um jogo simples, mas matematicamente relevante. É assim: há quatro tigelas com cerejas (5, 6, 7 e 8). Dois jogadores alternam escolhendo uma tigela e tirando dela pelo menos uma cereja (não vale escolher uma malga vazia). Quem, na sua vez, não puder jogar (por encontrar as tigelas todas vazias), perde. Outra maneira de enunciar a condição de vitória/derrota é a seguinte: ganha quem tirar a última cereja.
Por exemplo, o André vai jogar contra a Catarina a partir da situação seguinte
É a vez do André. Como deve proceder?
Só para ilustrar jogadas possíveis (não estou a dizer que são boas ou más) o André podia tirar duas cerejas da primeira tigela
Ao que a Catarina podia replicar comendo todos os frutos da terceira malga
E assim sucessivamente. Quem atingir a situação sem cerejas
cantará vitória.
Naturalmente, trata-se de um jogo numérico, passamos bem sem as ilustrações.
O jogo descrito corresponde a, partindo do vetor (5,6,7,8), dois jogadores alternarem diminuindo uma das suas componentes, sendo que ganha quem atingir o vetor nulo (as coordenadas são inteiros não negativos).
Neste momento, insisto em que pratiquem este jogo com amigos, imaginários ou não, para melhor saborearem o que segue.
Este jogo foi completamente compreendido no começo do século passado, para qualquer número de tigelas e de cerejas. O resultado fundamental é este: o André deve deixar um vetor cuja soma-Nim das coordenadas seja nula. Bem, falta definir soma-Nim, que se denota por . Aqui vai. Dados dois inteiros não negativos, a sua soma-Nim obtém-se escrevendo as parcelas em binário e usando a seguinte tabuada:
,
,
,
Assim, uma análise pormenorizada da situação proposta permite concluir que o André deve tirar 4 cerejas da malga que contém 8, porque
Eis os pormenores desta soma-Nim:
E temos
Esta conta está armada aqui:
A Catarina não poderá fazer o mesmo. Isto é, está condenada a deixar um vetor cuja soma-Nim das coordenadas é maior do que zero. O André, de novo, anulará essa soma-Nim e assim sucessivamente até que será o André a jogar para a posição vazia.
Para além de sugerir a prática deste jogo a partir de diversas situações (3,4,5,6; 1,3,5,7,9; etc), pergunto: se mudarmos as regras, de forma a que quem tirar a última cereja perca, como deve o André jogar a partir da mesma situação inicial?
O autor poderá ser contactado através do e-mail jnsilva@cal.berkeley.edu